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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O INÍCIO DE UM SONHO




Castelhanos hoje é uma praia tão famosa, e todos nós gostamos tanto de lá, que decidi relatar como tudo começou, e faço isso com a ajuda preciosa de Tia Carminha.    

        Meu avô sempre foi um apaixonado pelo mar e, ao contrário de muitas pessoas e muitas famílias que, naquela época, final da década de 60 e início da década de 70, não conheciam o mar, a nossa o conheceu bem cedo. Desde quando eu me entendo por gente, lembro-me de ir sempre a uma praia nas férias. E vovô era apaixonado pelas praias do Espírito Santo. Alugava casas em Nova Almeida, Anchieta, Ubu, dentre outras cidades praianas, e aonde ele ia, a família sempre o acompanhava.

        Aquelas comédias que a gente vê por aí, tipo “Mineiros em férias”, aconteceram conosco quando fomos a Nova Almeida, isto porque resolveram juntar a nossa família com a de Dona Palmira (mãe do Tio Willam), todos em uma só casa. Imagine a confusão. E, lembrando-me dessas férias, não resisto aqui em contar um caso que aconteceu nesse passeio. Não me lembro como, mas sei que em uma de nossas aventuras, para conhecer o local, nos deparamos com um rio. O engraçado é que, mesmo eu sendo muito pequena, recordo-me de alguns detalhes: o rio era muito certinho e estávamos todos juntos. Ao nos depararmos com este rio, ficamos encantados, pois devíamos estar meio que cansados do mar, então, na mesma hora, todos pularam dentro dele. Lembro que fiquei com medo e não queria pular, quando me jogaram e ainda comentaram:

-       Menina fresca!   

E o pessoal estava animado, uns nadando, alguns mergulhando e outros saboreando aquela refrescante água:

-       Nossa, que delícia! Finalmente água doce!!! Prova, gente, é doce mesmo!!!!

E alguns gritavam:

-       Nossa, acho que passou um peixe por aqui. Olha a cobra, Ivana!!!

Bom, depois de um tempo vimos ao longe umas três pessoas chegarem correndo e gritando. De longe não dava para ouvir, mas, ao se aproximarem, entendemos tudo:

-       Vocês são doidos ou o quê??? O que pensam que estão fazendo? Este rio serve de esgootooo!! Saiam daí rápido.

Não precisa nem dizer que do mesmo jeito que entramos, saímos: sem palavras, todos cabisbaixos e envergonhados. Não sei se foi tudo assim mesmo, mas a maior parte é verdade porque eu estava lá.

Voltando às nossas incursões pelas praias capixabas, em 1972 ou 1973, Tia Regina e Tio Carlos foram passar férias em Anchieta, na casa de Wanda, irmã do Tio Carlos. Vovô então resolveu alugar uma casa nas proximidades.

        Em Anchieta tínhamos que ir a outras praias, pois a de lá é praticamente inviável para se tomar banho, então me lembro de que os adultos iam explorando algumas praias (Praia do Balanço, Praia do Coqueiro, Monte H) e assim descobriram Castelhanos que nesta época era uma praia virgem, sem nenhuma construção, nem loteamento. Todos ficaram deslumbrados com a beleza desse local. E, surpresa das surpresas, não é que começaram a passar trator em Castelhanos, abrindo assim as ruas de um loteamento? A partir daí, Wilson e Alzira que eram recém casados abriram um restaurante na orla e, ao lado desse restaurante, foi aberto um cômodo onde o corretor, Sr.  Lobo, começou a vender os primeiros lotes.

Vovô se encheu de alegria e ficou deslumbrado, pois aquela praia era o seu sonho, ela o encantou desde o início, pois ao se chegar ao pé do morro de onde ela se descortina, a vista é simplesmente deslumbrante. Era de longe a mais linda praia.  E ele viu aí a oportunidade de realizar seu sonho de ter uma casa na praia.

        Quando acabaram as férias e retornamos a Belo Horizonte, vovô resolveu convocar todos os filhos para uma reunião. Contou a todos seu desejo e perguntou se queriam, juntamente com ele, pagar as prestações do lote. E assim foi feito, e assim começou o lindo sonho de ter uma casa na praia de Castelhanos.  

Vovô escolheu o lote e, na época, não sabia que seria na rua principal.  O lote também foi escolhido por ter uma linda e grande árvore bem no meio. Mal sabia ele que aquela árvore teria que ser arrancada para a construção da casa.

Mesmo sem a ela, continuamos, todo ano, a alugar casas de temporada em praias próximas. Ficávamos nessas residências e frequentávamos a praia de Castelhanos, que tinha somente o restaurante. Quando acabamos de pagar o lote, vovô reuniu novamente os filhos e fez a proposta de contratar um empréstimo na Minas Caixa, onde Tio Carlos era o subgerente, para finalmente construirmos a tão sonhada casa na praia.

          E assim começou a construção de nosso sonho. Isto foi no ano de 1974. O negócio foi fechado com um aperto de mão do Tio Carlos com o construtor Sr. Antônio que, ao dar o primeiro preço, não percebeu que era muito pouco para aquela obra; já Tio Carlos, muito esperto, fechou o negócio na hora sem titubear. Nossa casa foi a terceira construída. Era humilde, feinha até, mas muito aconchegante e fez a nossa felicidade. Ela foi construída de frente para a rua principal e só depois que vovô faleceu, mudamos a frente para a rua lateral, pois o movimento de carros estava muito grande e como a rua era de terra a casa ficava cheia de poeira. Ainda por cima, havia muitas crianças e todos tinham medo de acontecer algum acidente. Para fazer essa mudança, foi preciosa a ajuda financeira da vovó e as contribuições que os filhos davam todo mês.

Acho que o sucesso foi tão grande que a partir de nós, outras pessoas conhecidas também compraram lotes lá (Dona Palmira, Ângelo Kalapotakis etc). 

          Em uma de nossas primeiras férias passadas lá, Tia Nezita e D. Palmira resolveram se embrenhar mato adentro até chegarem a uma parte do mar ainda desconhecida por todos. Ninguém sabia onde elas estavam e todos começaram a ficar muito preocupados com o aquele sumiço. Somente muito tempo depois elas apareceram dizendo que estavam num lugar maravilhoso, paradisíaco e que este lugar parecia com a boca de uma baleia. Todos ficaram curiosos para ver este pedacinho do céu e, no dia seguinte, toda a família Morais foi conhecer esse lindo lugar, que mais parece uma lagoa e que, partir daí, ficou se chamando “Boca da Baleia”. Hoje em dia é comum ver várias pessoas se dirigindo para lá ao entardecer somente para apreciar o por do sol que é belíssimo. Pena que atualmente o local seja freqüentado por muitos farofeiros que sujam a areia com restos de comidas, carnes de churrascos etc.

        Hoje me vêm à lembrança tantas coisas que fica difícil até de escrever. São curiosidades que, quem frequenta lá hoje, nem imagina que acontecia. O telefone é uma dessas curiosidades. Existia um orelhão que ficava ao lado do restaurante e, à noite, porque a “chamada a cobrar” era mais barata, formava-se uma fila imensa de pessoas, todas ávidas por ligar para BH para dar notícias. Em tempos de dois celulares por pessoa isto parece inacreditável, não?

        Televisão também nem pensar. O único lugar que tinha era no Tanharu, o primeiro hotel construído e, às vezes, tomávamos coragem e íamos lá para assistir a um capítulo de uma novela.

        Outra coisa legal é que quando chovia, as ruas se enchiam de barro e, no dia seguinte, quando o sol aparecia, o barro ficava como uma crosta e era bem legal você ir andando e pisando nestas placas e fazendo “croock, croock”.

        Havia também umas árvores com uns cipós imensos e a gente brincava muito de Tarzã. Era para as crianças brincarem, mas teve gente mais velha que foi se aventurar de Jane e se despencou no meio do caminho gritando: _ Uóóóóóóó.... Tarzãããããããã!!!! Né, Tia Carminha???

        Outra curiosidade é que sempre íamos caminhando para a esquerda da praia e chegávamos à Praia da Guanabara que tinha o mar muito bravo. Parece que lá teve um loteamento bem antes de Castelhanos, mais chique até, mas que não deu certo. A gente sempre via algumas construções de verdadeiras mansões abandonadas. Inventávamos histórias macabras sobre aquelas casas.

        Foi mais ou menos assim que começou Castelhanos. Eu, particularmente, fico cheia de vaidade quando algum conhecido fala que já foi e adora Castelhanos. Aí penso... “nós que começamos aquilo ali.” E novamente me vem água aos olhos por pensar que não aproveitei o bastante, e que meus filhos não viveram o que eu vivi por lá. A “casa verde” que ficou com este nome por causa de sua pintura externa com os pinheiros na frente, a mansão do Sr. Afrânio lá no alto, as castanheiras pequenininhas, os guruçás que frequentavam as ruas à noite (o medo que eu tinha de eles subirem por minhas pernas) e as primeiras barracas na praia são lembranças bucólicas de uma infância e uma adolescência prazerosa.

                                        Contribuição de Tia Carminha

  





quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

VOVÓ PILAR


Ter uma avó igual a que nós tivemos é para poucos. Minha avó além de ser avó era uma avó para lá de especial. Única, mesmo com todos os seus defeitos ela era uma avó para lá de avó... Vou tentar contar aqui um pouco do que foi vovó Pilar para mim e, tenho certeza, para todos os que conviveram com ela. Se houver algum erro me desculpem, pois estou escrevendo sobre o que me lembro, principalmente de uma infância querida.

Vovó se casou com vovô João em 1936. Não tiveram nem tempo de ter uma Lua de Mel ou coisa que o valha. Pelo que eu me lembro dela contando, casaram, foram a um cinema e lá, só lá, deram um selinho na boca. Ela era a filha mais velha de uma grande família e como sua mãe tinha morrido cedo era ela quem cuidava das irmãs e irmãos mais novos. Seu pai, o famoso Inácio Fonseca (somos todos metidos porque a Praça da Igreja no Calafate tem o nome do nosso bisavô) se casou de novo com Aparecida um pouco depois que vovó se casou, então ela tinha irmãos também da idade de seus filhos mais novos.

Bom, vovó sempre foi uma mulher especial. Meu avô, e eu já escrevi isto, era para lá de machão, mas vovó era sábia e com seu jeitinho sabia muito bem contornar estas coisas para ser feliz e fazer o que sempre gostava, à sua maneira, representar.

Hoje eu fico imaginando que não era fácil para ela, pois sua casa era sempre cheia de netos, filhos, amigos. E os netos, todos pequenos aprontavam sempre. Imagina umas 10 crianças juntas!! Sempre havia uma briga. E quando o bicho pegava a gente gritava:

- ÔOOOOO Vóoooooooooooooooooo!!!!! Olha a fulana aquiiiiii!!!!

E era “Ôo Vó” a toda hora. Quando as nossas mães estavam presentes a gente continuava brandindo nossos pulmões e clamando por ela. Ao que ela gritava conosco:

- Ôoo Vó não! É Ôoo mãeeeeeeeeeeeee! Sua mãe está aqui agora.

Mas não adiantava a gente só queria Ôooo vó!

Me lembro de algumas reclamações dela por conta da bagunça e da casa sempre cheia mas vovô sempre retrucava:

- Pilar, Pilar, um dia você ainda vai sentir saudades disto tudo e vai reclamar justamente do contrário.

Sábias palavras...

Tenho certeza de que vovó, se não se casasse com o vovô, seria uma atriz. Ela adorava representar e, mesmo casada, achava sempre uma oportunidade de fazer isto. Tem umas músicas que a gente canta até hoje e que ninguém conhece, mas foi a vovó quem nos ensinou. “O Funileiro” então era sua marca registrada. Cantava em todas as festas; cantava e a representava. Outra coisa que adorava fazer era fantasiar e fingir ser outra pessoa. Tem caso de gente conhecida que caiu nesta armadilha, não a reconheceu e ficou um bom tempo com raiva dela. Teve uma vez que estávamos em Castelhanos, era janeiro e estava o maior calor. Fomos todos para a praia e vovó ficou para trás. A praia estava cheia e eis que de repente chega uma senhora toda encapotada, com blusa de frio, calça de lã, gorro, cachecol, se senta na areia e fica lá, observando o mar. É lógico que todo mundo que passava parava para olhar. Então quando já era o centro de todas as atenções a mulher se levanta e começa a fazer um Streep tease até ficar só de maiô. Aí todos puderam ver que aquela maluca que estava ali era minha avó que caiu na risada quando tudo terminou. Essa é só uma das histórias de minha avó.

Outra curiosidade é que seu aniversário era no dia 06 de fevereiro e, quando caía no carnaval, era carnaval em sua festa na certa. Todos nós nos fantasiávamos. Ela adorava isto e adorava receber suas irmãs. Teve um destes aniversários que ela se fantasiou de melindrosa e quando suas irmãs estavam para chegar ela resolveu subir em cima do piano, se assentou, fez a pose clássica de melindrosa com uma piteira na boca e pernas cruzadas e ficou ali esperando. Foi a maior surpresa quando as irmãs chegaram e se depararam com aquela cena.

Ela sempre aprontava e quando meu avô morreu, passado o luto, vovó se esbaldou. Freqüentava o Sesc, fazia ioga, viajava e era uma adepta do poder das pirâmides. Me lembro direitinho dela fazendo água energizada de pirâmide. Teve uma vez em que o copo de cristal em que uma mini pirâmide estava energizando uma água se espatifou sozinho... Bom, acreditem se quiser, mas eu vi. Ela chegou até a comprar um aparelho para medir a aura das pessoas. Virou uma especialista nisso. Tem um gesto com o dedo imitando uma pirâmide que ela me ensinou e que me ajudou muito em diversas situações.

Sempre acolhedora, dava conselhos e também era brava às vezes. Era uma casamenteira, sempre arrumando namorados para as netas.Tinha os seus netos prediletos, hoje eu consigo visualizar isto, mas não conto aqui nem que me batam; todos nós temos nossas afinidades e com ela não era diferente. Mas acolhia a todos em sua casa. Quantos, na hora da precisão moraram com ela?

Tocava piano muito bem e “La Cumparsita” era uma de suas músicas preferidas. Nos ensinou a bordar, fazer crochê, jogar baralho (um monte de jogos) e tinha uma mania estranha de conversar com minha mãe na língua do blu (blu, blu, blu, blu,blu....). Quando dava na telha ela ligava lá para casa e ficava falando desse jeito. E minha mãe respondia prontamente. Não sei como, mas elas se entendiam perfeitamente. Era blu, blu, blu para cá e blu, blu, blu para lá. Acabavam a conversa em blu e morriam de rir. Simples assim mesmo.

Vovó era assim, intensa, humana, engraçada, era uma verdadeira peça, literalmente. Por mais que eu quisesse contar tudo, todas as histórias eu não conseguiria. Mesmo no auge de sua derradeira doença quando ela, na maior parte do tempo sumia de todos nós, não é que de repente aqueles olhos voltavam, ela fazia alguma graça e a gente podia viver um pouquinho dela ainda, e isso nos servia naquela época imensamente, pois nestes momentos víamos que vovó ainda estava por ali. Mas isto é muito triste e estou falando aqui de alegria, pois vovó era a alegria em pessoa e sua essência ficou cravada em cada um de nós. A vovó Pilar, a Pilar, a tia Pilar, a Pilarzinha tão querida, conhecida e adorada por todos continua entre nós.

Tem uma frase que adoro e que descreve perfeitamente a vovó e foi com esta frase que rendemos nossa última homenagem a ela.

“Nós só conseguimos ser felizes realmente quando conseguimos rir de nós mesmos.”

Esta era a nossa avó.