Tudo
começou quando Wilmara, que é minha prima, e Cláudio se casaram e foram morar
nos Estados Unidos. Precisamente no
interior dos Estados Unidos no estado do Colorado, na cidade de Golden. Tiveram que ir para lá porque Cláudio foi
fazer Doutorado e Wilmara o acompanhou. Isto foi em 1989 e a ida de um Morais
para terras tão distantes e tão importantes nos deixou em polvorosa. Teve festa
de despedida e até alguém que presenteou o casal com uma muda de Pau Brasil... Como
se aqui a gente encontrasse esta árvore em toda esquina.
Bom,
particularidades à parte, o lindo casal partiu e aí eram cartas e mais cartas trocadas
(porque naquela época a internet não era tão disseminada assim e era costume
escrever e enviar cartas pelo correio). Teve uma vez que a Wilmara se gravou em
uma fita cassete contando casos seus de lá, como se fosse uma carta falada. Reunimos-nos
como se fosse uma festa, na casa de tia Nicinha para ouvirmos todos juntos à
fita.
Bom,
o tempo passou, Wilmara ficou grávida e ao chegar mais ou menos no 5º mês de
gravidez pediu à tia Nicinha, sua mãe, que fosse ao seu encontro, pois gostaria
de tê-la junto quando o neném nascesse. Tia Nicinha, para não enfrentar esta
maratona sozinha, resolveu chamar minha mãe para acompanhá-la. Começava aí a
maratona das duas Morais rumo aos States.
Minha
mãe no início ficou receosa:
_
Como eu vou? Eu não tenho dinheiro, não sei falar uma palavra de Inglês?!!!
Mas
a família toda pôs fogo na mamãe, principalmente a vovó:
_
Não Zezé, você vai sim! Eu te ajudo, te dou um pouco de dinheiro, você tem que
ir.
E
assim todos os irmãos se prontificaram, cada um doando um pouquinho para que a
mamãe pudesse acompanhar Tia Nicinha em tão sonhada aventura. Tiraram o
passaporte, compraram as passagens e se prepararam para o grande dia.
O
Cadu, que não é Morais, e, sendo assim, não nos entende, ficou apavorado com a
atitude da mamãe.
_
Vocês são doidos!!!! Como sua mãe vai fazer esta viagem sem um tostão no
bolso????? Meu Deus!!! Eu não faria isso
nunca!!!
E eu
rindo respondia:
_
Ela é que está certa. Todo mundo ajudou, ela vai e nós não vamos nunca, você
vai ver. Tem que aproveitar mesmo!
E aí
chegou o grande dia. Para começar foi uma caravana da família até Confins para
a despedida. Confins, naquela época, tinha pouco movimento então imaginem a
cena: aquele monte de gente chorando, dando tchau... O Cadu, novamente, ficou
afastado de todos para não se comprometer com tamanho mico. Mas mico de Morais
não é mico, é um ato meio dramatizado que só Morais entende e não acha que é
mico.
Então
as duas entraram na sala de embarque e nós fomos embora para nossas casas. Aí
verdadeiramente começa a saga das duas. Tia Nicinha nunca tinha viajado de
avião e estava muito apreensiva. O avião iria para São Paulo e de lá para os
States fazendo primeiro uma escala em Miami e daí para Denver. Ao levantar vôo
de Confins o comandante notou que havia um problema e, no alto falante, disse
que estavam com um pequeno problema de pressurização e, sendo assim, seria
melhor retornar ao aeroporto para o conserto da aeronave. Esta foi a deixa para
Tia Nicinha que já estava para lá de nervosa se expressar. Ela agarrou a mão da
mamãe e, em alto e bom som, disse:
_
Não te falei Zezé? Cante comigo: “Eu confio em Nosso Senhor....”
E na
hora em que o avião aterrissava: “Nossa aterrissagem será abençoada.....”
Resolvidos
os problemas elas finalmente partiram rumo ao estrangeiro. Eu, particularmente,
e acho que todos também, ficamos aqui apreensivos pensando em como seria na
hora em que chegassem a Miami, porque o avião faria sua escala em Miami.
Nenhuma das duas falava nada de nada de inglês e imaginei que iriam ter alguma
dificuldade, mas não. Em Miami não. Só que o avião faria outra escala em Dallas
que elas não sabiam. E, quando aconteceu esta escala onde todos os passageiros
desceram, uma olhou para a outra e ficaram sem saber se desciam também ou não.
Resolveram perguntar para a aeromoça... Mas perguntar como?????
_
Este avião (com gestos com as mãos imitando um avião) vai para Denver???
_
What?
_ D
E I N V E E E R R R!!!!!!! Temos que descer também?
_ I
don’t understand
Este
diálogo prosseguiu e não havia jeito da aeromoça entender se era para as duas
descerem ou não. Até que veio uma luz e tia Nicinha resolveu pegar uma revista
que tinha Denver na capa e mostrou para ela.
_ Oh
Danveer (mais ou menos como se pronuncia), no, no, sit, sit, next stop.
Finalmente
desembarcaram sãs e salvas. Wilmara e Cláudio as esperavam satisfeitos. Wilmara
com uma câmera na mão filmando tudo. Como era início de março estava muito
frio, mas o frio não as incomodou nem um pouco, elas estavam preparadas.
Wilmara e Cláudio não cabiam em si de tanto contentamento.
Como
ainda faltava um tempinho para Gabriela nascer, resolveram aproveitar. Viram a
neve cair, fizeram anjos na neve, escorregaram com tábuas, fizeram bonecos,
enfim viraram crianças. Parece-me que teve uma vez que Wilmara se descuidou e
quando assustou estavam as duas lá fora com a neve na mão querendo provar.
-
Saiam daí as duas!!! Cachorro faz xixi aí!!!!
Gabriela
resolveu nascer antes, não quis esperar nem o seu chá de bebê e com Wilmara no
hospital e Cláudio estudando começaram os problemas. Elas tinham no apartamento
o nº do telefone do hospital e o nº do quarto para qualquer eventualidade, então,
um belo dia, precisaram de atum e não sabiam o que era atum na despensa. Tia
Nicinha, muito sabichona resolveu ligar para o hospital. Atenderam e ela falou:
_ Rrruuuummm tchu tchu uam (Room 221)
_ Whaat??
(de novo)
Mas
para ela a moça do outro lado falou alguma coisa assim:
_
blaubluwxoegoiehlohorhoejajfoeyh!!!
Ao
que ela muito bravamente respondeu:
_
Ahn??? Ah! Wilmara!!! ( Wilmara em inglês, por sinal)
Nem
imagino o que a recepcionista falou, mas parecia histérica e tia Nicinha
entendeu isso:
_
wxyhblublaloaitnhailanhohoaoelroaodjçanhfoiahej!!!
_
Ah! Morais Sorice! (Ela deve estar perguntando o sobrenome...Pensou tia
Nicinha)
_ A
recepcionista falou: wrwrwrwrrwrwwrruurueu!
Aquele
negócio estava ficando complicado, então ela resolveu encerrar por ali mesmo
dizendo:
_
Tankiuuuuu!!!!
E
desligou o telefone.
Me
parece que as duas deram um jeito e conseguiram achar o atum para fazer o que
queriam mas morreram de rir do ocorrido porque
as duas não ficavam vexadas não. Aliás, minha mãe chegou a comentar com
Tia Nicinha que morria de pena do povo de lá que parecia, tinha muita
dificuldade em falar com toda aquela língua enrolada.
Acharam
também muito engraçado alguns costumes como só ir às compras de carro. Os
supermercados eram um pouco longe e também estava muito frio para todo mundo
andar a pé, mas para D. Nicinha e D. Zezé o frio não era barreira. Iam a pé
mesmo. Teve uma vez que compraram comida em um supermercado e resolveram comer
o lanchinho em uma praça. Só tinha as duas e tia Nicinha comentou:
_
Nossa Zezé, imagina se o Cláudio passar por aqui e nos ver vai pensar: “coitada
da minha sogra, tão pobrezinha que tem que comer na rua... E davam gargalhadas
delas mesmas. Parece que foi neste mesmo dia que, passeando chegaram a um Drive
Thru. Como não sabiam o que era aquilo, é lógico, foram investigar e, ao passar
pelo local de fazer o pedido, uma voz falou algo no alto-falante e as duas
saíram correndo.
_
Corre Zezé, eles vão nos multar porque estamos pisando na grama!!!! O Cláudio
não pode saber nunca disso senão ele vai ficar com raiva da gente!!!
E as
duas saíram correndo mesmo. Pareciam duas crianças travessas.
Foram
também a um cassino e mamãe jogou 1cent e a máquina começou a jorrar moedas.
Ela ganhou 40 dólares. Com medo de ficar viciada parou por aí. Foram ao Gran
Canyon, provaram churrasco de americano, compraram, compraram, compraram; tanto
que na hora de vir embora e fechar as malas foi uma luta.
As
histórias são muitas e eu ficaria aqui o dia inteiro digitando para contar. O
que eu sei é que as duas falaram que voltaram mesmo a ser crianças e mesmo não
gostando nem um pouco da comida (nem da batata, pasmem!) adoraram tudo o que
fizeram. As duas não tinham dinheiro, não sabiam e não sabem falar uma vírgula
de inglês e, foram e voltaram sãs e ilesas de tamanha aventura. Nós, pobres
Morais mortais continuamos por aqui não é mesmo? E com todo o mico e situações
inusitadas sinto muitas vezes um pouquinho de inveja e muito, muito orgulho
dessas duas Morais que a seu modo chegaram e arrasaram nos States.